quinta-feira, 14 de julho de 2011

by Antônio Augusto Fagundes-MULHER GAÚCHA





Antônio Augusto Fagundes

"Os velhos clarins de guerra
desempoeirando as gargantas
quero-querearam no pago.
E o patrão coronelado,
reuniu em torno parentes,
posteiros, peões e agregados.
Chegara um próprio do povo
trazendo urgente recado
que se ia pelear de novo
e o coronel, satisfeito,
dizia, fazendo graça:
"vamos ver, moçada guapa,
quem honra a estirpe farrapa
e atropela numa carga
por um trago de cachaça...
Os velhos clarins de guerra
desempoeirando as gargantas

Um filho saiu tenente,
o mais velho - capitão,
um tio ficou de major.
(o pobre que passa o pior,
a oficial não chega, não:
o capataz foi sargento,
um sota ficou de cabo
e a peonada, e os posteiros,
ficaram soldados rasos
pra pelear de pé no chão...)

Carneou-se um munício farto
- vindo de estâncias vizinhas -
houve rações de farinha,
queijo, salame e bolacha,
se santinguando em cachaça
a sede dos borrachões.

E a não ser saudade e mágoa
nada ficou pra trás
a garganta dos peçuelos
misturava pesadelos
sanguessugando, voraz,
cartuchos e caramelos,
o talabarte e o pala,
bolacha e pente de bala,
fumo e chumbo - guerra e paz...
No humilde rancho de um posto,
um moço encilhou cavalo
beijou a prenda e se foi.
Na madrugada campeira
luzia a estrela boieira
sinuelando o arrebol
e as barras de um dia novo
glorificavam o horizonte
lavando a noite defronte
com tintas de sangue e sol.

E durante largo tempo
ficou a moça na porta
olhando a estrada, a chorar,
sem saber porque o marido
tem que partir e lutar,
não entendia de guerra!
Pobre só votam em quem mandam
e desconhece outra coisa
que não seja trabalhar.

Então a moça franzina
tomou uma decisão!
Esqueceu delicadezas,
ternuras de quase -noiva
e atou os cabelos negros
debaixo de um chapelão
e se atirou no trabalho,
cuidando da casa e campo,
do gado e da plantação.

Emagreceu e tostou-se
e enrijeceu como o aço!
Temperando-se na luta
madurou-se como a fruta
que é torcida no baraço.

Montou e recorreu campo,
botou vaca, tirou leite
e arrastou água da sanga.
Fez do tempo a sua canga
no lento girar do dia
e quando as vezes parava
comovida, acariciava
o ventre, que pouco a pouco
se arredondava e crescia.

Só a noite, quando cansada
fechava o rancho e dormia
seu homem lhe aparecia:
ora voltava da guerra,
ora peleava - e morria!...
Que triste o rancho vazio
nas longas noites de frio
ou nas tardes de garoa!
Que medo de ir a estância!
(e ao mesmo tempo, que ânsia
de saber notícia boa!)
Vizinha perdera o filho.
pra outra, fora o marido.
E um dos que tinham, morrido,
um moço, que era tropeiro,
quando feito prisioneiro
tinha sido degolado
sem nenhuma compaixão.
E até um filho do patrão
se ensartara numa lança
em meio a uma contradança
de berro, tiro e facão.

E o fulano? Que fulano?
Aquele, que era posteiro!
Moço guapo! No entrevero
é como um raio a cavalo.

Trezontonte levou um pealo
mas é sujeito de potra:
já está pronto pra outra,
sempre disposto e faceiro.

E a moça voltava ao rancho,
tão moça ainda, e tão só!
E quando fitava a estrada,
só via o vazio do nada,
o nada o silêncio e o pó.

Não sabe quem vem primeiro,
se vem o pai, ou o filho.
E os seus olhos, novo brilho
roubaram de dois luzeiros.

Cada noite, cada aurora,
vai encontrá-la a pensar:
quando o marido voltar,
de novo estará bonita
- novo vestido de chita
e novo brilho no olhar.
E quando o filho chegar,
quantas cargas de carinho
carretearão os seus dedos!
Quantos e quantos segredos
sussurrarão, bem baixinho!
E para ele, os passarinho
cantarão nos arvoredos...

Qual deles chega primeiro?

E se um deles não chegar...?

Mas a guerra segue além,
o filho ainda não vem
e ela a esperar e a esperar!...

Bendita mulher gaúcha
que sabe amar e querer!
Esposa e mãe, noiva e amante
que espera o guasca distante
e acaba por compreender
que a vida é um poço de mágoa
onde cada pingo d'água
só faz sofrer e sofrer"


By Antônio Fagundes
Postado hoje em DESGARRADOS por Amorim Edson

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